Onde fica mesmo a tal zona de conforto?


E quando você se depara com um obstáculo e fica paralizada? Não sabe o que fazer... congela. 
Pular? Desviar? Fingir que não está vendo?
E quando todo mundo vê, menos você? 
E quando...

Maria chegou à maturidade aos 16 anos. Suas amigas sempre eram mais velhas que ela. Seus papos, sempre muito mais adultos que ela. Seus pensamentos, nem tanto. Muito menos suas fantasias. Príncipe encantado, olhos azuis, cantando algo bem romântico como nas infinitas e musicais sessões da tarde.

Ainda assim, ela se sentia mais "madura" que a maioria das meninas da sua idade. Menos quando o assunto era ousadia. Caretinha desde pequena, criada com muitas regras, família do interior, sabe como é. Fumar, que era sinal de sensualidade e atitude naqueles tempos... nem pensar. Tentou. Mas teve um acesso de tosse que a fez passar uma vergonha daquelas. Talvez a única sensação parecida com essa foi quando desceu na rodoviária antiga da cidadezinha dos seus pais com saia rodada e tamanco transparente com saltinho de madeira e, no penúltimo degrau, falseou e despencou na calçada. A saia foi parar no nariz e a calcinha de rendinha, meio puída, ficou escancarada dada a pose de pernas abertas e pra cima, já sem os tamancos nos pés. O público era pra todo gosto. Homens, mulheres, crianças que estavam no ponto esperando pra subir naquele ônibus e seguir viagem. Vexame dos bons. Mas sua tez morena não a deixou, nem na rodoviária, nem na tosse do cigarro, ficar vermelha. Leitura dos desavisados: "Essa não tem vergonha de nada". Quem dera...

Drogas? Sempre faltou vontade. OU coragem. OU ambos. Sei lá. Só sei que Maria só não pensou duas vezes quando rolou o primeiro amor, primeiro namorado, primeira transa dentro do carro estacionado na rua escura do bairro rico e cheio de árvores. Mesmo escondida dos pais, rígidos do interior, pra não dizer retrógrados, recalcados, infelizes na sua felicidade casta. Enfim, lá foi ela vivendo a vida e "amadurecendo" sem muitos empecilhos. Sem obstáculos enormes (se bem que a gente sempre acha que uma biribinha é um rojão quando se está a-ma-du-re-cen-do!).

Namorou, estudou, trabalhou, casou, engravidou, brigou, engravidou, brigou, trabalhou trabalhou trabalhou, separou, continuou. E mesmo assim, Maria sempre foi e se sentiu feliz. Apesar dos dias e noites infelizes. Apesar das perdas, das faltas, das brigas, dos nãos.

A tal zona de conforto que todos sempre estão aconselhando a gente a evitar, a combater, fugir dela, Maria nunca nem entrou. OU pelo menos, se entrou e sentou-se nessa zona, nem se tocou. Conforto é uma palavra engraçada, pois tem um sentido bem claro, simples até. Mas ao mesmo tempo é tão pessoal e intransferível, né? O que é conforto pra mim, pode não ser nem de longe pra você. E pra Maria???

Talvez conforto pra Maria fosse estar entre amigos. Abraçada com os filhos. Debaixo de um cobertor bem quentinho e macio no frio. Na praia largada tomando sol num lindo dia de verão. Fazer o que gosta é um puta conforto pra Maria. E pra mim também. Pra quem não?

Até que chega um belo dia, no auge de sua maturidade, incontestavelmente MADURA que nem fruta que cai do pé mordiscada pelos passarinhos, que um estranho confronta Maria. Diz a ela uma verdade que ela, durante toda a vida, varreu pra debaixo do tapete. Guardou lá no fundinho do armário da cozinha. Escondeu entre as meias e calcinhas, pra nunca encontrar. Não disse em voz alta para evitar ouvir.

Depois de muito pensar, de chorar por alguns dias... e noites, Maria começou a sentir vontade de correr. Cutucar o desconforto que o confronto lhe causou? É, quem sabe, talvez... Não, não tem nada a ver com coragem. É despeito puro. Afinal, chamou pra briga! Só tem dois jeitos... encara ou foge. Ah, Maria sempre fugiu. E daí? Por que não? Na novela, no cinema, nos livros, o que fazem os seres normais, não-heróis, quando dão de cara com alienígenas gosmentos, leões ferozes, assassinos implacáveis, ladrões violentos, cobras venenosas? Correm. Correm. Correm. Correm.

Então Maria correu. E voltou pro mesmo lugar. Como em alguns filmes bufos, correu em círculos. E parou. Frente a frente, olho no olho, sem sorrir nem chorar, sem titubear, mas um pouco trêmula, foi logo disparando para o seu algoz:
"Não sei o que vou fazer. Não sei nem se vou fazer. Só sei que vou. Já estou. E vou conseguir, de um jeito ou de outro, pois nunca fui de ficar parada. Essa tal zona de conforto nunca foi aberta pra mim. Portão fechado com cadeado.
Sou movida a desafios e vou sempre encará-los com coragem, mesmo tremendo. Posso parecer fraquinha, bobinha, medrosinha... ah, mas você não me conhece!" Ass. Maria.

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