'Fudeu' com meu Monet



1
Margaridas, brancas, espalhadas pelo sofá de veludo vermelho, desbotado. Ah, se esse sofá falasse! Joguei em cima 3 dúzias delas, minhas preferidas. Agora vamos à mesa de jantar. Flores do campo…  ai, esbarrei  no vaso rosa de cristal que a minha mãe me deu, de “murano” (ela sempre impina o nariz quando diz “murano”. Acho que é falso). Não quebrou, só tombou. Molhou a mesa redonda, pintada de branco, já amarelada. Como a Tuca faz xixi em tudo o que é tapete, o jeito foi doar os nossos. Eu confesso que gostava daquele quadrado pretinho, que a gente comprou na Tok&Stok em 3 vezes no cheque pré. Lírios brancos cobrem os taquinhos de madeira arranhados pelas unhas da Tuca e pela piaçava que eu odeio, mas que é o xodó da Terezinha.  “A única que varre mesmo!”, repete ela. Acho que exagerei. A mistura dos perfumes está me lembrando velório. Mas tá tão bonito de olhar, podia ser um Monet.
2
Adoro ver a água saindo pelos buraquinhos do chuveiro. Não é ducha não, é chuveiro de ferro dos antigos. Acho que é alumínio, se fosse ferro já tinha enferrujado. Banho frio pra espantar a cara de bicho-preguiça. O relógio da cozinha tá acelerado…  daqui a meia hora ele chega. E eu ainda nem terminei de arrumar a sala. Quer dizer, desarrumar a sala. Será que vai ficar que nem aquela cena do filme sueco, que vi na Mostra de 2005, lá no Cinesesc? Não lembro nada, nem diretor, nem o nome. Mas ainda vejo o marido chegando e ela nua no meio da sala lotada de flores! UAU!  Acho que o Fê espera um jantar a luz de velas, cinta liga e lingerie preta, perfume francês, tipo patchouli. Mas não, né? Não sou eu. Acho que foi isso que ele gostou quando me viu dançando (quer dizer, pulando) na casa da Luiza. Cabelo curto, vestidinho de veludo vermelho (velho, tipo o nosso sofá), descalça. Meio bêbada, sempre com a taça de champanhe na mão. Será que hoje ele vai gostar dessa maluquice toda? Encaretou desde aquela festa. Eu também. Deixei o cabelo crescer, tô gorda,  aquele vestidinho já era, dei pra minha sobrinha magrinha. Chega de pensar e corre, ele tá pra chegar.
3
Cinza não é a melhor cor pra ocasião. Mas ele sempre fica louco quando eu coloco o meu pijaminha cinza, de algodão, camisetinha e shortinho, tudo “inho”. Menos eu. Fico louca quando ele me dá aquela secada clássica. Tradução: “gostosa, vou te comer agora”. Espero que hoje a reação seja a mesma. A paleta de cores tá bem variada. O sofá tá branco e vermelho desbotado. A mesa, colorida, de longe até parece toalha de chita. E o carpete é verde e branco e laranja e lilás… Até pensei em rosas vermelhas pra acender a paixão (brega, mas seria um clássico, né?), mas ia estragar tudo a gente andar e deitar em cima dos espinhos, cama de tortura sadomasô. Tô fora. Lírios são macios e perfumados. Chegou! A chave tá virando… Parada em pé, no meio da sala, já vou dizendo: “OI Fê! Feliz aniversário. 5 anos jun…”  Ah, não. Fernando esqueceu. Trouxe a turma do escritório pra tomar uma cerveja. Fudeu.

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