A história de Nigel e Ruby


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Texto inspirado na notícia de ontem da morte da ave atobá-australiano Nigel, conhecido como "Nigel sem amigos", que vivia na ilha de Mana, na Nova Zelândia, com estátuas da sua espécie.
Segue link de O Globo: 
https://oglobo.globo.com/sociedade/morre-passaro-mais-solitario-do-mundo-em-ilha-da-nova-zelandia-22373446

Todos os dias amanheço ao lado dela. É curioso, sempre está altiva, olhando para o céu, estática. A natureza que nos envolve não abala sua calma. Já eu corro como louco abanando asas, sentindo o vento no bico. A brisa do mar me fascina.
E ela fica lá, no nosso cantinho, só me olhando e fitando o céu,
que na maioria das vezes está lindo mesmo, afinal,
estamos numa das ilhas mais belas da Nova Zelândia.

Quando a conheci? Ah, foi numa tarde fria e iluminada!
Tinha ido pescar, bem cedo. Estava exausto depois de uma boa refeição,
peixes fresquinhos e suculentos. Comi tanto que cansei. E fiquei na praia,
descansando e contemplando a paisagem.
Ao entardecer, resolvi ir pro meio das pedras. Sempre sozinho,
não esperava nenhuma surpresa. Muito menos companhia.
Mas ao avistar de longe algumas manchas brancas e amarelas, levei um susto.
E pensei: “Quem são esses? O que fazem na ‘minha’ ilha?”
Chegando perto, reconheci meus pares. Somos todos iguais nessa ilha.
Mas entre eles, ela chamou logo a minha atenção. Ruby. Até o nome é lindo.
Sua classe, charme e altivez me conquistaram. Nunca gostei de fêmeas muito salientes, sabe?
Sou muito pacato, levo a vida tranquilo, comendo, dormindo e curtindo a natureza.
Sem grandes preocupações. Sempre foi assim.
Desde pequeno, nada nunca me abalou demais.
E não posso dizer que tive que lutar pela minha sobrevivência ou enfrentar grandes temporais,
predadores implacáveis. Não. Desde sempre, sigo em frente, tranquilo, sem obstáculos, sem algozes.
Na paz.
E nessa tarde encantadora, Ruby entrou na minha vida.
E tenho que admitir, os dias que já eram bons, ficaram melhores.
A gente só sente a solidão quando não está sozinho.
Parece contraditório, mas enquanto eu era só, não me sentia só.
Era assim a vida. Depois que ela surgiu, aí vi como os meus dias eram vazios.
Ela preenche cada espacinho ocioso dos meus dias, pois só de olhar pra ela, já me distraio.
Inebriante esse conforto que ela me dá.
Será que é amor? Não sei, nunca senti nada parecido. Deve ser…
Só sei que depois que ela chegou, sinto que o tempo parou.
Apesar de me sentir mais cansado, de ter alguma dificuldade para pescar, quando estou ao seu lado,
sinto seu corpo frio e jovem ao meu lado, não acho que estou velho.
O tempo parece parar nesses momentos de união, de estar junto em silêncio, de contemplar
o luar e adormecer ao seu lado.
Hoje acordei diferente. Me invadiu um cansaço que nunca senti antes.
Ruby sempre ali, do meu lado pra tudo, com sua força e graça,
preenchendo os meus olhos com sua beleza, e o meu coração com sua ternura.
Mas tem algo estranho em mim. A velha e boa vontade de correr, voar, sentir a brisa, não sinto.
Tudo está tão diferente, apagado diante de mim.
Sinto minhas asas pesadas, uma secura na garganta. Ruby, o que será isso?
Um sensação de anoitecer. Mas está só amanhecendo.
Talvez tenha chegado a hora do meu anoitecer. Mas e Ruby?
Como abandoná-la? Ela que preencheu a minha vida esse tempo todo,
que fez os meus dias mais felizes, frescos, iluminados? Ruby, acho que vou te deixar.
Mas onde quer que eu vá, pra onde voar, você sempre estará comigo.
E esse seu olhar para o céu vai com certeza me alcançar.

A luz está se apagando. É cedo, mas pra mim, já é tarde. Sem arrependimentos…
talvez uma cria ou duas tivesse sido bom.
Mas apesar dos nossos momentos, não aconteceu. E nos bastamos. E nos amamos. Adeus Ruby!





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