O Homem que Sorri do Outro Lado da Rua

Olá, tudo bem?

Em primeiro lugar, quero dizer que entre ontem e hoje atingi meu recorde de visualizações de um post aqui no blog. Uau, estou muito feliz. Mais de 130!!! E em um texto simples, uma crônica de um dos meus dias. Obrigada a todos que passaram por aqui e deram uma olhadinha.

Hoje, compartilho mais um texto que escrevi durante a oficina "Contos para o Próximo Milênio" lá na Biblioteca Villa-Lobos no ano passado. Gostei demais da experiência. A proposta era ir de um bairro a outro e escrever um conto sobre o trajeto, observando tudo e registrando na memória imagens e sensações. Foi um dos meus "gols" durante o curso, pois todos - professor e colegas - elogiaram. Espero que curtam. 
Bjs




Negro, alto, forte, caminha ereto. Bela postura, aliás. Não é como eu que estou sempre tendo que me lembrar de endireitar as costas, encolher a barriga e levantar o queixo. Veste jeans, sapatênis de couro marrom e blusa de lã azul marinho. Sim, porque apesar de o inverno estar no fim, o vento está digno de pico de montanha. Mochila puída nas costas, bem cheia. Tudo isso não me intriga em nada. Mas o seu rosto, ah esse rosto moreno me chama a atenção como se fosse um farol no meio do mar revolto, girando e iluminando apenas algumas ondas lá embaixo. Ele está SO-RRIN-DO.
Veja a cena junto comigo: carros passando, aquele cheiro de fumaça e motor desregulado que toda rua de São Paulo tem, sacos de lixo pelas calçadas, muitos remexidos pelos mendigos e moradores da rua que tem lanchonete, escola pública, casa de coxinhas, bar na esquina (é claro, quase toda rua que se preze em São Paulo tem um bar na esquina, né?), senhorinhas e senhorinhos passeando com seus cães, alguns organizados com saquinhos e pazinhas nas mãos, outros deixando aquelas bolotas fétidas pelo caminho para a desgraça dos que vem logo atrás, apressados e olhando para a frente. E aquele homem alto, forte, negro, o foco do meu olhar, vai indo, olhando pra frente (mas me dá uma impressão que não vê nada, sabe aquele “olhar de paisagem” que a gente faz quando olha mas não vê? Então, esse mesmo!). Vai indo.
Intuo que está fazendo o mesmo caminho que eu. Vem do bairro chique (ou “nobre” como dizem os corretores e as imobiliárias sedentas por faturar um troco), templo dos judeus, ortodoxos e não, e dos pé rapados que caíram ali por acidente, como eu. Vai sentido Largo do Arouche, reduto da velha guarda, boêmia, de antigamente. O segundo cinema que eu fui na vida era ali, em frente ao mercado de flores. O primeiro foi o Cine República. Sempre de mãos dadas com minha mãe, entramos para ver “Uma Janela para o Céu” no República. E “O Campeão” no Arouche. Só dramalhões, que ela adora até hoje. E eu também. Não é à toa que o drama é o meu gênero predileto.
Bom, a essa altura, você deve estar pensando: “Sua boba, ele está com fone de ouvido, curtindo uma música ou as palavras de amor da namorada que tá do outro lado da linha do celular!”. NÃO! Nada de fone de ouvido, nenhum celular ou aparelho próximo dele (nas mãos ou bolsos). Ele está sorrindo assim, meio que grátis, sabe?! Talvez um pensamento engraçado, uma piada que contaram pra ele antes de sair de casa… sei lá. É uma questão metafísica, filosofia pura essa imagem que me faz tropeçar na calçada e até esquecer o que eu estou fazendo, por que estou indo de Higienópolis para o Largo do Arouche.
Eu não sei. Mas daria um braço para saber por que ele está sorrindo! Como sou curiosa. Vai ver foi por isso que resolvi aos 17 estudar jornalismo. Tive que ouvir da minha mãe: “Mas jornalista é tudo louco, que nem artista. Se você gosta de português, de ler e escrever, tem que ser professora. Profissão séria, bonita, de gente direita.” Pois é, olha eu aqui 30 anos depois, jornalista feliz e realizada, pobre e cansada. Mas tudo bem, não dá pra ter tudo, né?
Voltamos a ele, O Homem que Sorri do Outro Lado da Rua. Você aí vai concordar comigo. Como é bom ver alguém sorrindo nesses dias cinzentos e cheios de risos irônicos, dissimulados, de gente podre que ri da cara dos imbecis que os colocaram onde estão, né? Esses pulhas até posam para as câmeras que esfregam todos os dias as imagens, fotos, essa lama toda na nossa cara. Descarados. Escancarados sorrisos de “esperteza” que me dão ânsia de vômito. Por isso, a jornalista aqui anda evitando ler jornal. Vê se pode, que ironia do destino. Para não passar mal, não leio mais jornal. E pensar que eu sempre adorei pegar o jornal, sentar na poltrona ou na mesa de jantar e esticar ele nela, sujar as mãos ao esquadrinhar as folhas. Hoje, quem mais usa o jornal lá em casa é a Tuca, minha cachorra.
Não é a primeira vez que tenho essa vontade louca de abordar um estranho na rua e perguntar alguma coisa pra ele. E dessa vez, põe estranheza nisso, né? Imagine o diálogo: “Oi, com licença, senhor, tudo bem? Não vou pedir dinheiro nem sou Testemunha de Jeová. Nem estou fazendo uma pesquisa. Não, nada disso. Eu só queria saber por que o senhor está sorrindo?” Surreal. Fantástico. Se eu tivesse coragem, faria isso agora mesmo. Mas não tenho.
Por enquanto vou admirando o sorriso do meu companheiro de rua, de trajeto, de rota, de jornada. E, quer saber? Acho que vou abrir um sorriso também. Quem sabe a gente não dita uma nova moda…

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