Chuva de arroz cozido


Olá, tudo bem?
Aqui mais um texto, escrito já em 2018, dentro do meu propósito de escrever diariamente. Espero que gostem. Imagem relacionada 

Desço do ônibus com a sensação de ter deixado algo lá dentro. Percebo meu cadarço desamarrado. Ainda sinto um vazio. A memória do foninho de ouvido que comprei ontem na Paulista por 20 reais retorna, mas só tenho 2 quarteirões pela frente. Não quero mais ouvir nada. A cabeça tá cansada...

Mas a música não parou. Canto mentalmente, mesmo sem querer. É quase um impulso, não consigo controlar. Atravesso a Higienópolis, olho o farol vermelho, dois amigos conversam na esquina ensaiando um tchau que não rola... E então ouço a minha voz. Tô cantando, em voz alta. Não tão alta, média. A música? "Garota de Ipanema". Totalmente fora de contexto, eu sei. Descendo a Angélica, carros por todo lado, nada de Ipanema. Ah, mas lembro de ter ouvido a orquestra sinfônica tocando em Japeri. Não propriamente em Japeri-RJ. Em Japeri - JN. Sim, vejo o jornal no celular. São poucas as matérias que têm um bom texto, boa edição. Mas essa foi boa. Jovens repórteres têm feito a diferença no tal jeito global de contar histórias. 

Volto a me ouvir, até que afinada. E olha que não é pra qualquer um cantar "a garota". Não pra mim, pelo menos. Mas sinto um prazer enorme, libertador, em estar cantando na rua, sozinha. Não estou em altos brados. Mas me ouço bem e acho que quem cruzar comigo na calçada também ouvirá. 
Mas ninguém cruza. Ainda cantando, olho uma mulher bem magra, shorts e pernas compridas e brilhantes, aquele brilho bonito da pele negra que só se vê à noite, sob a luz da rua. 
Ela não ouve a minha música, está uns 30 passos a frente. Ocupada, comendo numa marmita enquanto anda. Sem talheres.
De repente, no meio do meu cantarolar, só melodia, sem letra, me espanto com ela cuspindo e jogando a marmita pro alto. Chuva de arroz. Cozido. Descartado. Não é de festa, mas de raiva. A buzina da bicicleta me tira da cena e me chama pro meio da rua à minha esquerda.
Um carinha de bike, fones de ouvido, capacete, canta animadamente e passa veloz bem ao meu lado.
Ah, mas passou tão rápido que não consegui reconhecer a música. Chego em casa em silêncio.

Comentários

  1. Adorei. Um texto com jeito simples, mas que deixa claro a capacidade da autora de escrever. Parabéns

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    1. Nossa, que comentário mais gostoso. Muito obrigada, Bárbara. Beijos e continue me visitando sempre que puder. E comentando! rs

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