O céu está azul. O sol brilha para todos, mas ela... corre.
Com seu carrinho preto, novo, semi-novo. Talvez uns dois anos de uso. Limpinho, brilhante. Vidros fechados, pois nunca se sabe quem vai chegar na
janela.
Não olha pros lados. Só pra frente. Em frente. Marcha.
Engata uma atrás da outra, como se pudesse garantir que a velocidade
aumentará só com essa mexidinha no câmbio.
Tem tanta gente na sua frente. Tem tanta gente ao seu lado.
Tem tanta gente...
Não, dentro do carro, só ela! Cabelos soltos, meio
desgrenhados. Ao perceber que vai ter que parar no sinal vermelho e esperar que
abra, esperar que os outros acelerem para que ela possa acelerar, coloca a mão
na cabeça. Rói as unhas.
E buzina.
Um toquinho de leve. E eis que todos a notam. Todos a vêem
ali, por trás dos vidros fechados, sem olhar dos lados.
Ah, aquele dia azul, aquele sol que brilha e aquece. Ah,
aquele trânsito que não anda. Aquela gente toda na sua frente, do seu lado,
atrás, ao redor... Ahhhhh.
E buzina.
Como se desfilasse diante de todos aqueles carrões e
carrinhos, bikes, patinetes, motos, gente caminhando, atravessando. Ela desfila
e vai mostrando a que veio. Por onde passa, se faz presente, graças ao som
estridente...
Da buzina.
Eu estava na frente. Depois, ela me ultrapassou com a mão na
buzina. Fiquei atrás. Pouco mais à frente, lá estava eu ao seu lado. E antes
mesmo do farol ficar amarelo, ela já estava buzinando. O corpo despejado sobre
a direção do carro. Mas a mão... ah, a mão. Em cima da buzina. Apoiada nela.
Pra onde vai? Por que tanta pressa? Será que ela pensa que
buzinando vai abrir uma passagem mágica a sua frente, daquele tipo que a gente
se esforça pra abrir quando uma ambulância pede passagem, e ela vai poder
acelerar feliz e realizada?!
Pra quê tanta pressa? Esquece o trânsito, a buzina. Olha pro
lado. Olha pro céu azul. O sol tá aí, brilhando pra todos, pra você também.
Desacelera.
Tira essa mão da buzina, menina!!!
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